terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Ribatejo

Ribatejo da minha alma, palco de cultura e gentes com a terra e o pagão enraizado. A riba do Tejo situam-se as lezírias, onde o sol dança e a lua entoa cantos mágicos. Na primavera é possível apreciar os flamingos, os gaviões, alacraus, as novas manadas de gado bravo e de cavalos selvagens. No Ribatejo, encontram-se as mais belas charnecas que abrigam em si, segredos e mistérios deixados por El Rei Dom Miguel...a Quinta da Maroteira...o celeiro de Portugal.

O celeiro de Portugal, contando já com longos 166 anos de História, a Companhia das Lezírias nunca deixou de ter um papel de relevo, contribuindo para o desenvolvimento da agricultura portuguesa, acompanhando e resistindo aos diferentes regimes políticos que fomos tendo, desde a Monarquia Constitucional ao Portugal Democrático, passando pela 1ª República e pelo Estado Novo, de Salazar e Caetano.

A cultura Ribatejana, é a que mais se aproxima da cultura espanhola, tendo as suas gentes a cultura campera e tauromáquica a "correr nas veias". Típicos os campinos, com suas ceifeiras, brasão máximo do Ribatejo. Imperam as ganadarias e criadores de gado de lide, grupos de forcados amadores e berço de grandes figuras do toureio nacional.

Com toda a paixão que os ribatejanos nutrem pelas suas origens, é característico o seu linguajar e analogias que em qualquer outro ponto do pais, são desprovidas de sentido. Hoje reporto uma das minhas analogias preferidas.

Forcados:
Em 1836, no reinado de D. Maria II, foi decretado a proibição da morte dos toiros na arena, para remate da lide dos cavaleiros, passou-se a pegar o toiro.
Foi assim que no séc. XIX teve formalmente origem a existência dos forcados como conhecemos nos dias de hoje. Com este decreto passaram a ser eles a pegar o toiro, evoluindo o nome de Monteiros da Choca, para Moços de Forcado ou simplesmente Forcados.
O objectivo do Forcado é a concretização da pega: depois da reunião do primeiro elemento com o touro, cabe aos ajudas a tarefa de imobilizar o touro para que a pega se considere realizada.
O rabejador é o responsável por rematar a pega.

Existem vários tipos de pegas, as mais conhecidas e utilizadas nos nossos dias são a pega de caras e a pega de cernelha.
Na pega de caras, o primeiro elemento, o forcado da cara, tem como objectivo fechar-se na cara do toiro, após se ter agarrado aos cornos ou ao pescoço do touro e amortecido o choque da investida. Não se espera que esse forcado segure o toiro sozinho, apenas se lhe exige que aguente os derrotes com que o touro o tenta lançar fora, até que os restantes sete forcados o ajudem, também sob uma determinada técnica, secundem o seu esforço e imobilizem o touro. Nessa altura a pega é consumada e o touro é libertado.


A estética está sempre presente. O forcado vale pela sua serenidade e sangue frio, mas também pela sua qualidade artística. Não necessita de invulgar força ou robustez, antes terá de desenvolver qualidades psicológicas, pelo que se diz que a pega é uma escola de virtudes.
Quando um forcado caminha na arena em direcção ao toiro, sem outra protecção que a confiança na sua destreza, terá de vencer a luta consigo próprio. O medo está sempre presente.

As gentes do Ribatejo usam estes termos no seu dia a dia, um fulano que aguarda que o perigo passe é comparado ao rabejador, quem dá a cara aos problemas (touro), assumindo as suas fragilidades é forcado da cara e por vezes temos a sorte de ter alguém a dar segundas ajudas. O objectivo é chegar a cabo, o expoente máximo, aquele que foi vezes sem conta a cara do toiro, mostrou o seu valor, desafiando-se a si próprio, evoluindo, mas nunca recuando ou desistindo. O posto de cabo é o "descanso do Guerreiro", é passar o exemplo para o novo forcado da cara, transmitir-lhe a sua força e a sua crença, é mostrar-lhe o seu valor, é dizer-lhe que não chega um toiro de 500kg para o vergar. O cabo acredita em si e acredita que se pode tudo desde que se supere o medo do medo.
Por tão grande paixão, partilho o meu amor ao Ribatejo.

6 comentários:

Anónimo,  21 de janeiro de 2009 às 01:04  

Informado, impressionado, animado, determinado, relaxado, encantado, foi assim que fiquei depois de perceber o tão pouco que sabia e era interessante saber sobre o... forcado ;)

Não um bocadinho que seja de touradas, excepto a parte dos forcados, desde puto... era capaz de apanhar uma seca tremenda quando dava na TV só para ver a parte dos forcados.

É justa, leal e corajosa, de ambos os lados. Do touro porque apesar das diferenças físicas está em enorme inferioridade numérica, e dos homens porque sem a coragem, união e perícia a trabalhar em conjunto estão em clara inferioridade física.

Ainda bem que te desafiei para a dissertação e explicação! ;)

Me 21 de janeiro de 2009 às 11:40  

Estas coisas do Ribatejo e suas gentes dão-me sempre um “batuque” no peito.
Tenho um enorme sentimento de pertença ao “meu” Ribatejo, quase ao ponto de ser lamechas. Tenho a experiência de vários sítios, de várias gentes, de vários tipos de vida e não há nenhuma que me faça sentir mais viva e mais completa do que está. Chega a ser ridículo, mas volta na vira sinto séria necessidade de passar tempo na minha terra, no meu ambiente, com as minhas pessoas, pura e simplesmente porque são e representam tudo quanto me dá aquele sentimento de “Home”.
Há uma altura em particular em que este sentimento se transforma numa felicidade e alegria tão grandes que fico triste por não poder estar presente como e quando quero: as alturas das festas. Não pelas festas, mas pelo ambiente, pelo clima… Por tudo.
Já passei horas intermináveis empoleirada numas tronqueiras a ver o calvário de Samora a abarrotar de gente reunida para assistir a um espectáculo que, a bem da verdade, a não ser que se seja destas terras, não se compreende muito bem. Dá vontade de abraçar aquele mundo de gente, levá-lo para casa e tratar dele para que não fuja, não desapareça.
Já fui a corridas em que todos se emocionam perante a coragem (e pura teimosia) de homens rijos que insistem em pegar um touro porque é esse o destino deles nesse dia, dê por onde der. Já me correram lágrimas ao ver uma praça cheia de gente a aplaudir de pé quem mostrou conseguir superar-se nos momentos anteriores. Toureiros que se metem à frente do touro para proteger o cavalo; forcados que se atiram para cima dos colegas feridos, protegendo-os com o próprio corpo; banderilheiros que largam tudo para acudir a alguém em perigo; touros que mostram raça e bravura, desafiando os limites da paixão pela arte.
Já gritei de aflição por ver campinos caírem dos cavalos durante uma entrada de touros, ficando de imediato mais tranquila por haver sempre quem, dos “civis”, acuda, puxe, ajude, proteja. Há sempre alguém a dar a mão.
O Ribatejo não é só touros e campinos e muito menos situações de perigo.
O Ribatejo é poder usufruir de uma paisagem única, de um cheiro de terra que dá vida. É ter gente que não se poupa a esforços para estar presente quando é preciso. É ser-se puro de coração, honesto nos actos e transparente nas palavras. É sentir força num olhar de alguém que nos quer bem e não nos deixa cair. É saber que metendo-se o pé em rama verde, as consequências serão directas, claras, objectivas e rápidas.
É tudo isto ou talvez seja apenas eu que amando de paixão o meu Ribatejo, o defendo com unhas e dentes enquanto atiro um “eh toiro todo preto!” a quem não saiba ou não queira perceber que há coisas que não se entendem ou percebem: ou se sente e é, ou então fica-se a ver.
É por tudo isto que quando se diz que alguém é forcado da cara em vias de ser promovido a Cabo, o que se está realmente a dizer é que essa pessoa condensa em si tudo quanto de bom e precioso esta terra tem para nos ensinar, dando-lhe oportunidade de passar tais ensinamentos a outros.

Como vêem, os batuques são fortes. Não os dispenso por nada. Excepções a tudo isto é claro que as há. Mas essas apenas reforçam ainda mais o bom. Dão-lhe mais força.

Eu, Ribatejana me acuso e não me responsabilizo pelo sentimento que tenho por assim ser. É tal como os grandes amores que nos fazem sorrir e sentir especial. Sou uma privilegiada, uma sortuda. Poucos sítios ou regiões há neste país em que as pessoas se sintam assim: Portuguesa? Sim. Mas antes disso, Ribatejana.

L. K. 21 de janeiro de 2009 às 19:51  

Me,
reconheço os cheiros, os sabores e o orgulho...bebo cada palavra do que escreves-te e revejo-me nesse amor, nessa necessidade.
Todos os dias me sinto abençoada por ter o previlégio de atravessar as lezirias ribatejanas e ser surpreendida pela beleza que libertam...e á noite??
Já viste como a Lua banha os campos e convida a ficar...enche-me a alma de uma paz e tranquilidade inexplicavel em palavras ou acções :)

L. K. 21 de janeiro de 2009 às 19:56  

Toda a razão Gaulês, ainda bem que me desafias-te, porque me deu um prazer enorme, escrever sobre algo que já me tinha esquecido que tenho a sorte de ter :)

Nem sei se no Ribatejo somos aficionados ou é intrinseco às gentes...os putos podem não saber falar mas dizem "Ehhh Toiro!!" e brincam aos toiros...é cultural ;)

deixa-me bem disposta, perceber que não fui fundamentalista e que as minhas linhas te deram todas essas sensações boas :)

Bigado pelo desafio :P

Anónimo,  21 de janeiro de 2009 às 20:14  

Completamente! Quando se escreve sobre coisas boas e se as está a sentir, passam sempre sensações boas ;)

Gosto de acreditar que tenho mente bem aberta, desde que não sejam fundamentalista, e me queiram obrigar a ver as coisas da mesma forma, tentando metê-las pela cabeça a dentro, julgo ter a capacidade de compreender, ver e sentir minimamente o que me passam ;)

Fiquei a pensar, que raios, já passei tanta vez pelo Ribatejo, como é que me escapou tanta coisa! lol da próxima vez que lá passar vou estar atento aos sinais rosa choque! :P

Me 21 de janeiro de 2009 às 23:37  

e ver o sol a nascer na lezíria? ou a pôr-se...

definitivamente... temos sorte mesmo.

  © Blogger templates Psi by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP