terça-feira, 29 de junho de 2010

FlashBack

Eu estou aqui...mas sem estar. Na realidade sempre estive aqui mas não para mim. A verdade é que nem estive para mim, nem para os outros. Sejam esses outros quem forem. Um dia amei mas amava-me mais a mim, ou quem eu pensava que poderia amar. Um dia casei-me com quem decidi que devia casar. Coloquei o amor num saco, juntei-lhe uma pedra, palavras amargas e um adeus para sempre. Joguei no mar e pedi que a sua vida fosse novelo de lã sem ponta. Pedi que o emaranhado o trouxesse até mim. Eu estava feliz mas precisava sabe-lo doído. Precisava que pensasse em mim.

Um dia acordei e descobri que quem comigo co-pilotava a vida tinha ido embora. Não perdoei a troca. Comparei-me vezes sem conta, bati-me, zanguei-me, manipulei e até implorei. Não funcionou. Não cedeu. Nesse dia lembrei-me do outro, aquele da vida em farrapos. Casualmente encontrei-o num encontro que forcei. Corri para a praia, mergulhei e pedi às ondas que me devolvessem o saco da sua vida. Pedido concedido. Idílico este nosso reencontro casual, que planeei. O outro, aquele que me trocou sem eu ter autorizado, sentir-se-ia magoado e perdido quando visse como segui sem ele. Voltaria. Nunca olhou para trás. Estou feliz.

Acordei esta manhã, na janela o céu mostrava-se cinzento e choramingas, assim como eu. A minha imagem reflectida no espelho lembrou-me que tinham passado 50 anos desde o dia em que nasci. Cumpri tudo...tudo o que não queria. Quando não suporte a dor da separação, casei-me. Quando te soube bem e ele afastado, tive filhos. Quando fui trocada, forcei o teu regresso. Sabendo no agora, o que já sabia no então: nunca amei mais ninguém, excepto, a mim. Os meus filhos são um acto de amor, mas até perante os mesmos, faço distinções e tenho preferências. Já não me obedecem, já não os manipulo. Perdi o controlo. Acusam-me de ser fria e dengosa, qual gata traiçoeira, na mira para chegar à presa. São uns interesseiros. Amo-os. Tenho de os amar. Preciso-os. Estou feliz.

Os meus amigos, nunca foram amigos. Se não me imiscuísse nas suas vidas estava sempre só. Uns tomaram o partido do que foi e outros do que regressou. Invejosos. As mulheres temem pelos seus homens e homens temem a minha inteligência. Todos me temem, todos me veneram, todos...Estou bem. Sou feliz. Profissionalmente estou estável. Nunca precisei. Não preciso. Mas ambicionava tanta coisa para mim, para a minha vida. Já não tenho 30 anos. Vivi toda uma vida com os homens errados, aliás, com as pessoas erradas. Nunca me souberam aproveitar. Eu era o que tinham de melhor. Todos.

Estou só, terrivelmente, só. Acordei esta manhã com a alma enublada e por breves momentos a imagem que vi no espelho disse-me: és uma frustrada, viveste toda uma vida, sem nunca a teres vivido. Assustei-me...um flasback da minha vida passou naquele reflexo. Tremi e paralisei... olhei melhor e afinal não era para mim que o espelho falava. Era para os outros. Os que partiram, os ausentes e os que nunca estiveram. Estou Feliz.

2 comentários:

Trabalhador das Obras 30 de junho de 2010 às 16:31  

Por um momento, até pensei que já tinha sido casada... Já?!

L. K. 30 de junho de 2010 às 18:00  

Não, não fui...esta nunca seria a experiência que quero ter.

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