segunda-feira, 20 de abril de 2009

Coisas que me enchem o Ego.

Sou narcisica, q.b. ...gosto do que o espelho mostra, até quando a roupa encolheu no armário.

Há coisas que por mais que tentemos é impossível encontrar as palavras que as traduzam como foram sentidas, ou que se assemelhem ao sentido. Tenho estado em ensaios para duas coisas diferentes mas com igual sensação de bem estar, brilho e ego cheio. A primeira teve lugar no sábado e a segunda irá decorrer na noite de 24 para 25 de Abril. Há 11 anos que faço ambas e sinto sempre algo semelhante: Diva.
Para quem nunca pisou um palco, a única coisa que lhe ocorre é a vergonha de estar "sem rede" perante um publico que ali está para ver um espetaculo mas também para avaliar o nosso desempenho. A critica tem os seus efeitos, se positiva leva-nos a querer mais, quando negativa pode levar ao aperfeiçoamento mas se for perjorativa fará, concerteza, mossa no alvo.

Pisar um palco é uma sensação indescritível, o medo mistura-se com a adrenalina, até o pano descer é como fazer arte de uma realidade surreal, um misto de pânico e orgulho. No fim os aplausos descontraiem e coroam o êxito de uma noite. Foi o que aconteceu no sábado. Não sou profissional, antes uma amadora, uma apaixonada que poderia levar mais a serio e dedicar-se um pouco mais, mas para mim há 16 anos que o palco, o teatro é o meu psicodrama, a minha terapia individual. No palco exorcizo-me, exorcizo os meus fantasmas. Já chorei muito em palco e a determinada altura já não chorava a minha personagem, mas projectei na mesma as minhas dores e o publico chorou comigo. O meu momento alto, que irei recordar para sempre. O cheiro das bambolinas, os nervos da espera nas bocas de cena, os imprevistos, os enganos e as amnésias de texto, as improvisações, as luzes, as cores, a preparação e os ensaios. Tudo é especial e único.

No sábado estive como apresentadora de uma Gala, eu e duas profissionais, estive a altura, superei-me, ovacionaram-me de pé...encheu-me o Ego, que posso dizer, não me apetece ser humilde ou revelar falsa humildade, quando a noite foi minha e porque foi esse o feedback do publico... lembrei-me novamente porque amo tanto o palco.

Sexta- feira o registo é diferente. Teatro de rua, a 11ª encenação do 25 de Abril de 1974.
Tenho um carinho muito especial por esta representação, o passar ao actual a nossa História. No entanto é estranho, porque ao fim de tanto tempo o real e imaginário já se confundem: já recriei tantas situações, acontecimentos e pessoas do pré 25 de Abril que por vezes esqueço-me que ainda não era nascida na altura. Sinto-o, vivo-o. O publico vive-o connosco, comigo, partilha as suas angustias, os mais velhos revivem as suas historias e as lágrimas continuam a cair-lhes ano após ano...é o seu momento de exorcismo - exorcizam todos os fantasmas que povoam as suas memorias e em muitos casos os seus sonhos. A minha terra foi muito castigada durante o pré 25 de Abril, Salgueiro Maia é daqui perto, o Rádio Clube Português fica mesmo cá...foi daqui que partiu "E depois do Adeus" e "Grândola Vila Morena" - as gentes tem-no tatuado na alma e na pele. Está tão vivo e eu vivo-o tanto, que o facto de ter lugar de 24 para 25 de Abril ainda vem conferir mais realismo ao meu sentimento de revolução vivida.

No fim, quando os dias são menos bons, as noticias não são as que esperávamos e a nossa vida não está do jeito que queremos, subir a um palco é vida, é respirar, sentir, amar e os aplausos a coroação, a medalha, o reconhecimento. Adoro senti-lo...sentir-me, transformar-me e entregar-me a uma dimensão que por horas é a minha.

9 comentários:

Toze 20 de abril de 2009 às 16:28  

Eu tenho a paixão do teatro e a paixão das palavras ditas, mas nunca subiria a um palco mesmo que esse tivesse "redes". A vergonha , o medo de falhar, a timidez e outras coisas mais estão sempre presentes e estarão, não me conheço de outra forma.

Mas um dia, lá longe no ano de 2004fui apanhado por acaso e para não ficar mal em frente aos meus afilhados lá saltei para o palco da rua. Gostei e pela primeira vez senti o Ego lá em cima mas rapidamente desceu. http://cagalhoum.blogspot.com/2004/08/pedro-tochas-finrias-as-fotos-tirei-no.html

Não tenho memórias de 74, ainda era muito menino, o que fica daí é mesmo as saudades de ser menino :)))

Não te deixo um cravo, antes uma rosa! Parabéns Artista, gostei :)

Toze 20 de abril de 2009 às 16:34  

Ahhhhhhhh...e quanto ao espelho diria como Pessoa:

"O homem não devia ver a sua própria cara. Isso é o que há de mais terrível. O criador do espelho envenenou a alma humana."

(brincando com o teu narcisismo)

;)

L. K. 20 de abril de 2009 às 19:14  

Já fui cuscar o post de 2004, está fantastico e as sensações descritas são semelhantes às que descrevo...porque pisar um palco e ter publico é isso mesmo e muito mais é Ego cheio...se o sentiu devia tentar senti-lo mais vezes, devia continuar. De cada vez que piso o palco acho-me sempre impreparada e incapaz de tamanha responsabilidade, não sei nada, gela-me o corpo (não é figurativo) e tenho um pânico da falha que subo aos nervos de toda a gente mas no fim, como no sábado, quando é a minha vez de descer a escadaria e o publico aplaude-me por reconhecimento de trabalhos prévios ( e eu era a unica que não faço disto modo de vida) é de me pôr o Ego nas alturas e a transbordar...claro que ser Diva para o meu encenador também conta muito ;)


Eu gosto da imagem do espelho, não só a imagem explicita mas também a implicita, gosto do meu Eu...a minha alma não está envenenada sou saudavelmente narcisica...não tenho é culpa do conjunto ser giro e agradavel...ehehhehehehhehe

Fernando K. Montenegro 21 de abril de 2009 às 10:54  

Sei bem do que falas...

Há uma vida que se escapa da "rua" para dentro do palco. O palco como projecção no infinito. O palco como criador de sonhos.

O palco que preenche como poucas coisas, tudo aquilo que é lacuna e vazio. Lá se esquece, o que não "rua" acontece.

O melhor que se pode desejar a alguém que faz teatro, e bem me parece que o sabes bem...Muita merda. :)

*

L. K. 21 de abril de 2009 às 19:46  

O palco como exorcista do Eu e dou-te toda a razão Lorenzo: em palco não há vazios antes pelo contrário - sensação de alma cheia, de imortalidade...

...Muita Merda ;)

Anónimo,  22 de abril de 2009 às 16:23  

Não conheço minimamente essa sensação, não faço ideia dos sentimentos, sensações, reacções e transformações que cria, mas desperta-me curiosidade.

Sim, és Diva, Lagarta! E quanto ao espelho, por muito que te tentassem convencer do contrário, a verdade é que o espelho não engana! ;)

L. K. 22 de abril de 2009 às 19:29  

Gaulês é uma sensação overwhelming, sem duvida ;)

Desconhecida 27 de abril de 2009 às 22:16  

Gostei de ler esta tua arte para mim desconhecida até então :)

Um beijinho

L. K. 28 de abril de 2009 às 00:25  

Olá Desconhecida,

esta minha arte é mais um dos meus lados lunares ;)

Ainda bem que gostas-te de ler é sinal que consegui transmitir um pouquinho do que se sente em palco ;)

Beijinhos

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