Recentemente, perdi algum tempo frente ao televisor. Não sei porquê, mas detive-me num canal generalista onde passava o telejornal. Nenhuma das noticias me puxou a atenção mas também não mudei, deixei-me ficar ali, olhando para o fogo e relembrando as palavras de um amigo: "o lume é uma companhia, aquece e parece falar-nos num discurso que traduz o que de mais intimo temos." ( Tens razão P.) Deambulava pelos meus pensamentos quando surge no ecrã uma noticia que me puxa para a realidade:
(era qualquer coisa assim)
"Descobriu-se mais um lar ilegal na zona de Cantanhede. Um apartamento com seis idosas acamadas, divididas por dois quartos. As mesmas encontravam-se trancadas na casa, cujas janelas estão gradeadas. Todas as idosas têm mais de 70 anos e duas não tem mobilidade, sendo acamadas. Era vista uma mulher a entrar no apartamento, pelo menos três vezes ao dia, pensa-se que traziam as refeições. Hoje durante a noite a vizinha ouviu gritos e pedidos de ajuda, ligando para o 112 que enviou a policia e os bombeiros, estes últimos tiveram de rebentar com as grades de uma janela para conseguir entrar.
A arrendatária está indiciada por outras situações similares, não sendo esta a primeira vez que tem lares ilegais."
Ora, pois bem, esta noticia deixou-me a pensar: esta mulher está indiciada pela pratica de crimes semelhantes, ou seja, abrir "lares" ilegais, sem assegurar as condições mínimas de segurança, já para não falar da falta de humanismo e humanidade, de ter pessoas, seres humanos, aglomerados como frangos de aviário. A opinião pública condena-a, os direitos humanos acusam-na, o código penal atribui-lhe o epíteto de criminosa pois atenta contra o bem estar e avida de outrem. Até aqui não discordo, mas acho que as coisas não são assim tão simples e não deviam ser ser analisadas apenas no factual da acção-reacção, mas que se deviam avaliar os valores, não só sociais mas também os morais. Talvez seja eu que tenho os meus valores deturpados, talvez eu seja uma idealista mas parece-me que a solução para a extinção, ou sendo mais modesta, a solução para o atenuamento destas problemáticas devia ser avaliado através dos precedentes que culminaram na situação final.
E este é o meu ponto de vista:
Situações destas não são da "falta de escrúpulos" da arrendatária ou proprietária do lar ilegal, ela apenas é uma aproveitadora de uma situação ou necessidade de outrem. Estas idosas e todos os outros idosos são pais, tios, avós de alguém. Estes alguéns podem não ter situações financeiras para suportar os encargos de ter a responsabilidade de tomar conta de um idoso, mas quanto custa um lar? E um lar ilegal? É caro.
Mas quando se pensa em pôr alguém que nos está ligado por consanguinidade num lar, numa creche ou escola, temos de visitar, de vêr e procurar. Temos de nos assegurar que as condições mínimas estão suprimidas. Isso demonstra o quanto respeitamos ou amamos aquele outrem, senão, ao manos mostra que somos humanos. Que temos empatia. Por isso, penso que talvez os meus valores estejam deturpados, porque sinceramente se existem este tipo de situações é porque há mercados para as mesmas. Existe procura, logo, há oferta, logo, quem procura também tem de ser responsabilizado e implicado nas culpas. Não basta culparem-se e perseguirem-se os oportunistas que viram um maneira fácil de ganhar dinheiro, porque isso apenas dará azo a que surjam novos oportunistas, porque após os ânimos serenarem e a situação cair no esquecimento muitas destas pessoas procurarão novos depósitos de pessoas.
O problema é mais fundo do que pensamos, ou eu acho que é. Talvez sejam mesmo os meus valores que estejam deturpados, mas a vida é um imenso mercado e a lei vigente é a da procura e da oferta. Pescadinha de rabo na boca: então castiguem todos os intervenientes. Os familiares que não realizaram uma procura eficaz, os proprietários que criaram "capoeiras" de pessoas e o próprio estado que não assegura a mínima qualidade de vida aos seus cidadãos. Criem-se estruturas de apoio que permitam que as pessoas tomem conta dos seus idosos e das suas crianças.
Ultimamente sinto que vivemos uma vida inteira a trabalhar. Vivemos para trabalhar, para assegurarmos que trabalhamos para viver e no fundo, que vida temos? As obrigações impelem-nos a trabalhar cada vez mais, para assegurar as necessidades básicas: um tecto, água, luz e mais qualquer coisita. A união que temos ao outro é secundária. O amor aos filhos vem após o trabalho e é compensado com um qualquer estimulo material e os nossos anciãos são apenas empatas, de quem gostamos muito....mas não temos tempo.
Não sei se isto é o que quero para mim...mas é o que tenho feito também: dedico os melhores anos da minha vida a construir um carreira...que no fim apenas me levará a um lar ilegal, amarrada a uma cama, com um televisor por companhia, a solidão como almofada e o desejo de morte para "não ser um peso" para ninguém. Ao que chegou a Humanidade.
Somos uns tristes.
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