Os Sete Pecados Mortais...
Narciso, homem arreado na imagem, consciencioso de que os espelhos o admiram e as raparigas não ficam indiferentes. Sabia Narciso que esta sua Vaidade, lhe trazia alguns amargos de boca. Homem bonito, mas de traços grotescos que lhe conferiam figura máscula, não fosse o seu metro e sessenta e os homens não controlariam os ciúmes de cada vez que se aproximava das suas esposas ou namoradas, mas que culpa tinha, se Deus o havia dotado de tamanha perfeição? Narciso pensava nos outros com certa pena, pois para além de figura invejável que levava a ser alvo da Inveja dos homens e das mulheres, quando o olhavam e comparavam com o que tinham em casa, também a inteligência de Narciso contribuía para que fosse olhado de revés. Homem de certezas certas e inabaláveis. A ele ninguém o enganava, há muitos anos que tinha cristalizado o seu conhecimento e sabia que esse, o seu, era o certo e não admitia ser contrariado, aliás, abominava seres menores que se lhe opunham nas opiniões. Como se atreviam a contrapor ou até a insinuar que ele estaria menos correcto e logo a ele, que não sabia nada dos livros mas tinha a maior escola de todas: era um doutorado nas artes da vida. Narciso aborrecia-se com a chica esperteza dos outros, despertava-lhe a Ira, coisa que beliscava as suas maneiras perfeitas de Marialva. E agora, até as mulheres, essas flores delicadas e sensíveis achavam que eram aprendizes dos bancos de escola e da mestria da vida, coitadas!
Narciso, não era homem de grandes trabalhos isso era tarefa de gente menor, não bafejada por uma beleza perfeita e um conhecimento superior. Nunca tinha trabalhado e orgulhava-se disso, apenas executara alguns trabalhitos aqui e ali, coisa pouca, para calar os infames que lhe sentiam a Preguiça como pecado capital ou para conquistar alguma dama que tivesse no olhar a beleza de um homem de trabalho. Não fazia porque não queria, não porque não soubesse e também não precisava de melindrar os seu bons modos e pele perfeita com esforços ingratos que não lhe reconheciam ou pagavam o devido valor. Tinha posses, órfão desde a adolescência garantiram-lhe o direito a uns dinheiritos provenientes de rendimentos de terras e casas alugadas. Ser filho único também o tinha ajudado a perceber quão grande privilégio era para as senhoras privarem da sua companhia e para os senhores pagarem uns lanches e jantares, que não eram mais do que grandes Tertúlias de ensinamentos basilares, os seus. Nunca tinha casado, ia-se casando. Não concebia que o casamento tivesse como deveres partilha de bens, que eram apenas seus por direito de nascença, esta Avareza trouxera-lhe alguns amargos de boca, nada que lhe tira-se o sono. Vistas bem as coisas, era um homem que se bastava a si próprio, claro que tinha algumas falhas que por vezes o faziam pecar, aborrecia-se quando alguém o convidava para mesa farta, pois tal visão faziam-no esquecer os modos refinados e os cuidados com a sua pele perfeita, apoderava-se de si uma Gula insaciavel que o deixava arrebatado, perdia os modos, a capacidade de discursar e de dar a perceber o quanto era benemérita a sua presença junto de tamanhos energúmenos. Não era culpa sua, os outros provocavam-lhe esta qualidade menos boa, tivessem eles mesas menos fartas e Narciso não expunha esta faceta galifona que o equiparava ao comum dos mortais.
Narciso, era um homem feliz e auto-suficiente. Bastava-se a si próprio e perdoava aqueles que o rodeavam a sua pequenez, afinal era para os guiar que Deus o tinha feito tão perfeito. Agora com 60 anos, estava a ser assolado por pensamentos que o fragilizavam: como ia ser a sua velhice? A quem ia deixar os seus bens? Quem ia guiar e ensinar os outros na vivência das suas vidas? Mas o que mais o atormentava era pensar que nunca tinha amado uma única mulher, mas sempre muitas: complementavam-se umas às outras. Logo, também ele nunca tinha sido o alvo do amor único de uma mulher: não tinha conhecido nenhuma suficientemente boa para o amar. A sua vida, desde novo, tinha sido feita de amores furtivos e alheios. Ora por ser a esposa ou namorada de algum amigo ou inimigo, ora porque o aborrecia a conquista preferindo pagar para que lhe suprimissem as necessidades. Pessoas menos bem formadas acusaram-no algumas vezes de reger a sua vida pela Luxúria, invejosos, não concordava via-se apenas como homem que sempre tinha sabido viver e retirar o melhor da vida: deixava-se dominar pelas paixões, fossem elas carnais ou materiais. Narciso não iria deixar de satisfazer os seus instintos básicos e que tão prazeirosos lhe eram apenas porque os outros poderiam sair prejudicados ou ficarem infelizes. E ele? Ele é que interessava, tinha de estar bem, de se sentir bem por alguma razão tinha aquele ar perfeito de benjamim indomável.
Odiava-os a todos, a sua raiva era um continuum, tinha de os magoar, queria magoa-los como se atreviam a ignorá-lo? A ele, logo a ele. Desejava vingança, agora prostrado naquele leito não havia um que lhe reconhecesse o valor, que o fosse visitar e ajudar a matar as horas de sofrimento antes que elas o matassem a ele. Onde já se vira, ele o grande Narciso, ter de pagar pela companhia, ter de pagar um serviço para uma mulher lhe dar comida à boca e que humilhação, ajudá-lo nas necessidades fisiológicas quando para eles deveria ser uma obrigação, um prazer por toda a sapiência que lhes tinha concedido. A sua mágoa ia mais longe, daquela cama, amaldiçoava Deus por tê-lo concebido tão bonito e perfeito e agora lhe retirar o olhar, a admiração dos outros. A culpa era toda deles, apenas deles. Era do mundo, essa culpa, que o fazia agora jazer na mais profunda das solidões.
3 comentários:
Tem muitas letras, não li, peço desculpa...
;)
Quer dizer que estou desculpado, já vi...
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