Voar... com as asas dos outros.
Às vezes as decisões tomadas co-substanciam-se em argumentos erróneos. Não temos determinada atitude para não magoar alguém que amamos, ainda que, isso nos desfaça por dentro. Calamos o que sentimos razão ou opinião ou apenas o que sabemos por estarmos convictos que tal acção será benéfica para nós. Quantas vezes o nosso "bem estar" são migalhas de um qualquer desejo adiado, de um qualquer projecto arquivado. Para estarmos bem, temos mesmo de estar bem. Existem cedências harmoniosas que a médio - longo prazo são prazeirosas para todos os intervenientes mas... existem outras que são e serão sempre relações de perda-ganho. É impossível de tão insuportável e doloroso viver nestes moldes "para sempre". Às vezes as pessoas sabem-no e tornam-se peritas em desculpas e desresponsabilizações para conseguirem atravessar cada dia da melhor forma possível. A que deixar menos marcas. No fundo pensam-se sortudas por terem alguém ao lado, mesmo que o preço dessa companhia seja uma solidão profunda. Medo. Um dia tudo muda. Encantam-se por quem traz alegria nos lábios, doçura nos gestos e assimilam a situação como a porta de saída. Fuga para a frente. Nesse dia de amor e enamoramento os defeitos do outro, outrora grãos de areia, reflectem-se no espelho do tamanho de uma montanha, o novo objecto de desejo é o antípodas do dia-a-dia. Bote salva vidas. Partem sem olhar para trás. Absorveram a força, a segurança do novo e estilhaçam o velho. Sem olhar para trás. Sem remorsos ou arrependimentos. Apostam tudo nesta nova viagem, sem reservas ... mas, inúmeras vezes, também, sem verificar o estado dos travões, o depósito ou o mapa de estradas. Nem sempre a viagem é mal sucedida no destino mas às vezes ficam apeados na primeira estação de serviço. Quando isto sucede a raiva, a dor, o ódio, a angústia, o desespero e o medo surgem. Companheiros de almofada. Reconsideram a fuga para trás: re- conquistar o antigo. Esquecem que à sua volta vivem pessoas e não autómatos, enfurecem-se por os seus sentimentos não serem valorizados o suficiente e levam-se à beira do precipício por auto comiseração. São os únicos no mundo a sofrer desta ou daquela maneira. Tornam-se milícias paranóides tentando medir em cada gesto, cada rosto e cada olhar a pena que suscitam e exigem que todos os outros partilhem a sua mágoa e desespero.
Estas pessoas tem muita dificuldade em erguerem-se. Dependentes. Sentem que os outros não se esforçam o suficiente, não os acarinham o suficiente, não são amigos o suficiente ... Não os levam ao colo o suficiente. Os outros, esses que continuam a viver as suas vidas deixam de ser considerados amigos, os outros, esses que não lambem sofridamente as feridas com eles, deixam de ser amigos e os outros, aqueles que lhes dão asas mas que não lhes emprestam as suas, passam de bestiais a bestas, num piscar de olhos.
Às vezes as mudanças são necessárias, e precisamos da força de outros para alimentarem a nossa coragem. Quando decidimos somos responsáveis pela decisão tomada e temos de estar preparados para assumir, de cabeça erguida, as consequências. Os outros são apoio e necessitamos deles, para ouvir o que gostamos e às vezes, o que não gostamos. Os outros, aqueles que, verdadeiramente nos rodeiam, não dependem de nós, nem permitem que nós dependamos deles. Os outros, esses que valem a pena, não nos emprestam as suas asas, ensinam-nos a voar, deixam-nos usar o ninho as vezes que precisarmos mas na certeza de que encontramos ao longo da nossa viagem, um ninho e um estilo próprio de voar.
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