Era uma vez ...
... um alguém que se procurava intensamente. Esse alguém correu mundo na vã esperança de encontrar o seu Cálice Sagrado. Os anos foram passando e a busca continuava tão intensa como no dia da partida. Conheceu imensas pessoas mas não recorda os seus nomes, conheceu sítios que não lembra e lugares dos quais não guarda memória. Amou apaixonadamente até perceber que nem era paixão e nunca chegaria a amor, pois não lhe davam a paz interior que sonhava alcançar. Percorreu cada centímetro de pele das mulheres mais fantásticas, inebriou-se nos cheiros das mais exóticas, entregou-se ao prazer que a mais comum lhe oferecia e até as desajeitadas serviram para o frustrar na procura do seu bem mais precioso: a sua paz. Jejuou, enfartou-se, teve tempos de abstémio e alturas de ébrio e nada ... sempre um nada negro a servir de manto à sua alma. Não lembra os países por onde passou, as camas que dividiu, as refeições partilhadas, as conversas sussurradas e os olhares oferecidos. Não sabe porque casou, com quem, como e onde - não era aquilo.
O tempo foi passando e nunca o avisou que a sua passagem deixava marcas irreversiveis: nunca o lembrou que o momento vivido jamais será recriado, que as pessoas amadas são mutáveis no seu querer e viver, que os lugares se transformam e os sítios perdem mística. Estava cansado, esgotado e convicto da sua impotência para continuar a procura do ambicionado. Desistia, rendendo-se nem sabia bem ao quê mas com a certeza que não tinha encontrado.
Haviam passado os anos, o seu corpo definhado e com ele a autonomia do viajante, os dias eram agora um longo continuum e passava-os a recordar: quantas viagens, quantos sitios e lugares havia conhecido. Quantos corpos havia amado, quantos havia desejado e outros tantos ignorado. Comidas exóticas, vestes caracteristicas e culturas tão diferentes que se complementavam. O quanto aprendera e o quanto ensinara com gentes e em lugares tão diferentes que apenas a estada lhes fará juz.
Inerte na sua cadeira de baloiço, dependente da boa vontade de terceiros, os dias eram carinhosamente alimentados pelas recordações das suas viagens e eis que num pôr do sol soalheiro, de cores quentes reflectidas num alpendre só e desengonçado, deu consigo a suspirar acompanhado de um longo sorriso: tinha vivido. Tinha encontrado a sua paz interna em cada momento vivido, cada gesto dividido, apenas nunca tinha ficado o suficiente para o perceber.
A paz interna e a consequente felicidade proporcionada não são estados perpetuados no tempo, não se adquirem à força da experimentação, são sim e tão somente, a viagem, as experiências e a entrega. Ambos se constroiem quando o momento é vivido como causa que não espera qualquer efeito.
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